Pesquisas não confirmam crença de que Lula transferirá pelo menos metade dos seus votos para substituto
Bolsonaro,
pré-candidato do PSL à Presidência da República, diz que sente em suas viagens
que tem mais votos do que Lula. Em qualquer lugar que vá, é recebido por uma
multidão de ensandecidos, que o carregam nos ombros e gritam o mantra “mito,
mito” como se estivessem hipnotizados. Ao
contrário de tempos atrás, quando militantes petistas recebiam Lula onde quer
que fosse aos magotes, os bolsominions, como são conhecidos pejorativamente os
seguidores de Bolsonaro, aparentemente se reúnem de maneira espontânea, não têm
a estrutura que os sindicatos forneciam ao PT.
Há ainda
os possíveis “eleitores envergonhados”, que preferem Bolsonaro, mas não revelam
o voto com receio da reação. Não é impossível, portanto, que o pré-candidato do
PSL tenha mais eleitores do que captam as pesquisas. Contra Bolsonaro, porém,
há o voto útil, que em uma eleição como esta, tão fora de parâmetros, pode ser
fundamental já no primeiro turno. Diante da
possibilidade real de Bolsonaro estar no segundo turno, muito eleitor tucano
pode votar em Marina, assim como parte dos eleitores petistas que não anularem
o voto, cristianizando tanto Geraldo Alckmin quanto o poste de Lula.
Já Ciro
Gomes poderá ter o apoio dos partidos de esquerda que não conseguem se unir no
primeiro turno. Pode ser que a perspectiva de a esquerda tradicional não ir
para o segundo turno faça com que eleitores dessa tendência invistam em Ciro
para evitar que o segundo turno seja disputado pela extrema-direita contra a
centro-direita, que pode ser representada tanto por Marina quanto por Alckmin. O
candidato tucano, se não deslanchar com o apoio do centrão, poderá ser
abandonado pelos eleitores ainda no primeiro turno. A aposta de Alckmin é que o
tempo de televisão e a máquina partidária do centrão o levarão para o segundo
turno, com um raciocínio analógico da política, quando o digital domina a
campanha. Pode ser surpreendido pela indignação do eleitorado. Em
contrapartida, o voto útil pode ajudar Alckmin caso esteja disputando o segundo
lugar contra Ciro ou Marina.
Como as
coligações obedecem a critérios locais, com o MDB sendo aliado do PT em
diversos estados, e a Rede se coligando com forças políticas que trabalham em
outra sintonia, não é possível saber se o enraizamento de partidos como o MDB,
o DEM e o PP sustentará candidaturas oficialmente escolhidas, ou se essa
algaravia partidária facilitará a traição nacional em troca de vitórias
regionais.
O fato de
que importa mais aos partidos fazerem bancadas fortes do que eleger o
presidente da República reforça essa possibilidade. A crença de que Lula
transferirá pelo menos metade dos seus votos para um substituto petista, seja
ele quem for, não está sendo confirmada nas pesquisas eleitorais. Se isso for
verdade, há uma boa chance de eleitores petistas votarem em Marina. Ela é quem
mais ganha nessa situação, seguida de Ciro Gomes, do PDT.
A mais
recente pesquisa do Instituto Paraná tentou entender a cabeça do eleitor.
Quando pergunta em quem o eleitor poderia votar, Marina Silva lidera, mas todos
os candidatos, até mesmo Henrique Meirelles ou Fernando Haddad, têm boa
pontuação. Já quando a pesquisa tentou saber em quem os eleitores votariam com
certeza para presidente da República, Bolsonaro lidera com vantagem sobre
Marina Silva, a segunda colocada. Bolsonaro teve 15,7% de votos consolidados e
Marina, 6,3%. Lula aparece em primeiro lugar com 21,3%, mas está inelegível.
O
Instituto Paraná perguntou aos eleitores em quem não votariam de jeito nenhum,
e a má notícia para o PT é que Fernando Haddad tem a maior rejeição, seguido do
tucano Geraldo Alckmin, o que indicaria que, sem a liderança carismática de
Lula, PT e PSDB estão em baixa com o eleitorado que busca o novo na política. Jair
Bolsonaro e Lula têm a mesma rejeição de 54% do eleitorado. Em todas as
pesquisas, a soma dos votos brancos, nulos e a abstenção supera Bolsonaro. Os
eleitores indecisos, na sua maioria, têm Marina como alternativa. Todas essas
informações demonstram que o voto útil ou o voto envergonhado pode ter
influência decisiva na eleição de outubro, como também a indignação dos
eleitores detectada pelas pesquisas.
Merval Pereira - O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/voto-util-ou-envergonhado-22940727
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