Pelo
andar das negociações, o vice de Geraldo Alckmin tanto pode ser o comunista
Aldo Rebelo — ex-PCdoB, hoje no Solidariedade — como o empresário Josué Gomes —
dono de 15 fábricas no Brasil, cinco nos EUA, uma na Argentina e outra no
México, líder da confecção de cama, mesa e banho nas Américas. Pode parecer
estranho, mas no meio político isso é dado como absolutamente normal. Tanto que
o empresário também é cogitado como vice na chapa do petista Fernando Pimentel,
governador candidato à reeleição em Minas.
O
mesmo empresário também esteve em conversas para compor chapa com Ciro Gomes,
cujo objetivo é fisgar os votos da esquerda, na ausência de Lula. E isso nem é
novidade, pois o pai de Josué, José Alencar, fundador do império têxtil, foi
vice de Lula, e os dois se deram muito bem. Os
partidos do centrão negociaram com Ciro e Bolsonaro, antes de fechar com
Alckmin. Também cogitaram acertar com Henrique Meirelles. Aliás, o comunista
Aldo Rebelo, como membro do Solidariedade, integra o centrão, um catado de
populistas de direita ou de coisa nenhuma, com vários líderes envolvidos na
Lava-Jato.O
deputado Jair Bolsonaro, com um histórico de votos na linha estatizante e
corporativa, chamou para seu economista o ultraliberal Paulo Guedes. Marina,
que fez campanha mais pelo lado liberal na última eleição, dá uma guinada à
esquerda, também de olho nos votos de Lula.
Se o
Brasil estivesse em um momento muito favorável, com economia e política
funcionando tudo certinho, essas incoerências poderiam até ser toleradas. Quer
dizer, seriam negativas, mas se não houvesse nada de importante a resolver,
qual o problema? Um comunista e um capitalista podem se entender sobre,
digamos, os limites de velocidade nas estradas federais. Mas
o setor público está quebrado. Estão na pauta questões cruciais para o futuro
próximo do país, entre as quais: a reforma da Previdência, a privatização (ou
não) de estatais, a reforma tributária (quais setores da sociedade serão mais
tributados?), a legislação trabalhista, a derrubada da taxa de juros, saúde
mais estatal ou mais privada. São escolhas políticas de caráter ideológico, que
exigem definições firmes.
A
esquerda não quer privatizar a Eletrobras porque considera que integra um setor
estratégico, a ser gerido pelo Estado. Pessoal do centrão é contra a
privatização porque estatais são um paraíso para nomeações e obras. Por essa
via transversa, PT e centrão se entenderam muito bem. Mas e se for eleito um
presidente favorável à privatização, com o apoio do centrão ou de esquerdistas
ou dos dois grupos ao mesmo tempo? Candidatos,
individualmente, podem até manifestar posições mais ou menos claras, mas o
problema é como implementá-las no Congresso Nacional.
Tem
mais. Todos os candidatos falam em alguma mudança na Constituição, o que exige
o voto de 3/5 dos deputados (308) e senadores (49). Nessa geleia política, como
formar essa maioria com alguma coerência? Eis
o cenário: o país precisa de muitas respostas para questões que apareceram
justamente por falta de decisões firmes. Há quanto tempo estamos enrolando com
a reforma da Previdência ou com privatizações? E estamos muito próximos de
eleger governos — federal e estaduais — com um jeitão muito parecido com o que
tivemos recentemente.
Mais
leis?
Se
faltam escolhas firmes, sobram leis no país.
A
Constituição tem 250 artigos, 114 disposições transitórias e 99 emendas.
Estão
em vigor 180 mil leis federais. Há 5,5 milhões de normas federais, estaduais e
municipais. No Congresso, há 25 mil projetos de lei em andamento e nada menos
que 1,1 mil propostas de emenda à Constituição.
Uma
regra sagrada do Direito diz que ninguém pode alegar ignorância da lei. Por
aqui, bem pode ser outra norma que não pegou.
Carlos
Alberto Sardenberg é jornalista
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