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sexta-feira, 27 de julho de 2018

Como foram os anos de formação de Bolsonaro em Eldorado-Xiririca, no interior de São Paulo



O passado do candidato conservador Jair Bolsonaro numa cidadezinha do Vale do Ribeira


Por volta das 11 horas de uma manhã de junho, a estrada esburacada que leva a Eldorado, no Vale do Ribeira, em São Paulo, estava vazia. Com 15 mil habitantes, a 245 quilômetros de São Paulo, a cidade se resume a uma montanha a beira-rio, cujo topo é preenchido pela típica igreja em frente à praça com nome de santa. Fundada na segunda metade do século XVIII, foi chamada primeiramente de Xiririca — uma onomatopeia guarani que imita o barulho de água corrente. O nome de batismo foi alterado para Eldorado em 1948, em referência ao ciclo do ouro, que também inspirou os municípios vizinhos de Sete Barras, onde sete barras de ouro foram retiradas da terra, e Registro, onde o ouro era registrado. Não há quem não conheça Bolsonaro por ali.


Quarto maior município paulista em extensão territorial, segundo maior índice de mortalidade infantil no estado e com 40% de seus moradores com renda abaixo de dois salários mínimos, Eldorado parece ter parado no tempo, com indicadores que contradizem o próprio nome. Os homens trabalham fora, as mulheres cuidam da casa, e a diversão se limita a comer, beber, pescar e dar voltas em torno da praça. Não fosse a Caverna do Diabo, que, com 6,5 quilômetros de extensão, é a maior do estado, nenhum turista teria motivo para aparecer na cidade.


As construções antigas em ruas largas e empoeiradas são as mesmas do tempo em que o dentista prático Percy Geraldo Bolsonaro chegou de Glicério, município do noroeste paulista, com a mulher e seis filhos — o sétimo morrera pouco depois de nascer prematuro. Terceiro dos seis irmãos (Angelo, Maria Denise, Jair, Solange, Renato e Vânia), Bolsonaro, nascido em Campinas, viveu em Eldorado até os 18 anos. Saiu de lá para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Só costuma voltar à cidade em que foi criado em datas festivas, para ver a família e alguns colegas com quem passou a infância e a adolescência nas escolas estaduais Professora Maria Aparecida Viana Muniz e Doutor Jayme Almeida Paiva.


Estão em Eldorado-Xiririca os anos de formação do político que assombra grande parte do país, enquanto arrola número significativo de simpatizantes. Candidato a presidente pelo nanico PSL, Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, atinge 20% das intenções de voto, postando-se como nome forte na sucessão. Com 30 anos de atuação político-parlamentar e passagem por sete partidos, Bolsonaro cultivou a polêmica para destacar-se. Entrou na política depois de ser acusado de liderar um plano para colocar bombas em quartéis como forma de pressionar a União por aumentos salariais para a tropa. Usou a fama repentina para tornar-se a voz dos militares, primeiro como vereador e depois como deputado federal.


Em 1993, mesmo no Parlamento defendia a ditadura e o fechamento temporário do Congresso Nacional. Alegava o deputado que a existência de muitas leis atrapalhava o exercício do poder e que, “num regime de exceção, o chefe, que não precisa ser um militar, pega uma caneta e risca a lei que está atrapalhando”. No ano seguinte, disse preferir “sobreviver no regime militar a morrer na democracia”. Afirmou que “a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente”, incluindo na lista o então presidente Fernando Henrique Cardoso.


No início de 2000, Bolsonaro defendeu a pena de morte para qualquer crime premeditado e a tortura em casos de tráfico de drogas, afirmando que “um traficante que age nas ruas contra nossos filhos tem de ser colocado no pau de arara imediatamente. Não tem direitos humanos nesse caso”. Para sequestradores, indicava: “O cara tem de ser arrebentado para abrir o bico”. Atacou homossexuais, dizendo não admitir “abrir a porta do meu apartamento e topar com um casal gay se despedindo com beijo na boca, e meu filho assistindo a isso”. Reclamou dos que têm pouco dinheiro: “Pobre não sabe fazer nada”.


Deputado federal em sétimo mandato, fez discursos no plenário em que qualificava adversários como “canalha”, “patife”, “imoral”, “terrorista” e “delator”. Cunhou cartazes debochados quando da discussão legislativa sobre desarmamento — “Entregue suas armas: os vagabundos agradecem” — e desaparecidos políticos — “Araguaia: quem procura osso é cachorro”.


Ria com prazer ao ver seu nome associado à violação dos direitos humanos. Abertamente já defendeu a pena de morte, a prisão perpétua, o regime de trabalhos forçados para condenados, a redução da maioridade para 16 anos e um rígido controle da natalidade como maneira eficaz de combate à miséria e à violência.


Debochou das acusações de nepotismo quando empregou parentes em seu gabinete e procura transferir prestígio para os filhos na política — Flávio, de 37 anos, é deputado estadual fluminense e candidato ao Senado; Eduardo, de 34, é deputado federal por São Paulo; Carlos, de 32, é vereador no Rio de Janeiro. Bolsonaro se refere aos filhos como 01, 02 e 03, na ordem crescente de idade.


Seu passado antes da carreira política estridente segue nebuloso. Em busca dele, ÉPOCA investigou por dois meses as origens dos Bolsonaros, flor emergente de Eldorado-Xiririca.


No fim da estrada de acesso à cidade, num posto de combustíveis, o frentista estudou com Jair Bolsonaro. “Ele era goleiro”, contou Tirço. “Ruim de bola.” Da turma, só o presidenciável ficou famoso. Os outros tornaram-se frentistas, secretárias, agricultores e donas de casa. Narcisa dos Santos, de 63 anos, mesma idade de Bolsonaro, rememorou o tempo em que o presidenciável, ainda menino, corria nu pela praça da cidade, irritado com as irmãs. “De mim ele apanhava”, disse ela. Já naquele tempo, Bolsonaro tinha uma metralhadora na língua. “Batia nele quando me chamava de gorda, baleia, saco de areia”, contou Narcisa. “Ele saía louco correndo sem calça na praça.”


O negócio do hoje presidenciável era estudar e pescar, lembrou outro colega de escola, Celso Leite. “Era quietão”, disse. “Mas já falava que ia ser presidente do Brasil, porque naquele tempo os presidentes eram militares.” Quando soldados baixaram em Eldorado à procura do guerrilheiro Carlos Lamarca, no início dos anos 1970, Bolsonaro passou a admirar o Exército — até hoje se orgulha de ter ajudado a guiar os militares pelas matas que conhecia desde criança na caça ao comunista Lamarca.


Logo na entrada de Eldorado há um quilombo com cerca de 300 quilombolas, que foi visitado por Bolsonaro em 2017. Numa palestra no Rio de Janeiro, o deputado disse que o “afrodescendente mais leve” de lá “pesava 7 arrobas” e “nem para procriador servia mais”. As declarações fizeram a PGR denunciá-lo ao STF por racismo. Ele também foi condenado pela Justiça Federal a pagar R$ 50 mil por danos morais ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos.



 

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